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Júlio e César | mini-conto infantil

Havia uma casa, com um pequeno jardim, cercado por muitas outras casas, onde morava o Júlio e o César.

O Júlio era um gato que só queria brincadeira. O seu pelo era amarelado com riscas laranjas, mas estava quase sempre castanho de tanto rebolar na terra e saltar na lama.

César era um cão. Um cão amarelo com o focinho preto, e brincadeira era só o que ele queria. Passava o dia a correr no jardim, a esfregar-se nas poças ou a fazer buracos nos canteiros.

Júlio e César eram os melhores amigos e passavam os dias juntos. Na verdade, até dormiam lado a lado, exceto quando César rebolava, adormecido, para cima de Júlio e este acordava esborrachado - o que ele não gostava nada.

Quando o dia acabava, Júlio e César entravam em casa. Júlio sentava-se ao colo da sua dona e César deitava-se aos pés do seu dono, ambos acabando por adormecer de barriga para cima e com a língua de fora. Se olhássemos com atenção, poderíamos ver que eles estavam a sorrir enquanto dormiam.

Um certo dia, César acordou e Júlio não estava em casa. Tinha ido ao médico com a sua dona. Como estava sozinho, resolveu que iria passar a manhã no canteiro grande, onde havia plantas altas com túneis por baixo, mesmo ao lado das pedras redondas. Rebolou, saltou, correu pelos túneis, apanhou paus com a boca e atirou-os pelo ar… enfim, fez tudo aquilo que um cão gosta de fazer. Quando se cansou deitou-se à sombra de um arbusto, encostado à cerca da casa do vizinho, onde vivia outro cão. E pela primeira vez, em todos os anos que ali viveu, o cão vizinho falou com ele.

— Estás cansado?

— Sim — disse César levantando as orelhas. — Estou a divertir-me desde manhã cedo e agora ia descansar um pouco. E tu? Já brincaste muito hoje?

— Não. Eu não brinco.

— Não brincas? Porquê?

— Porque não acho piada brincar sozinho.

— Porque não brincas com os teus amigos?

— Eu não tenho amigos.

— Então brinca com os teus donos.

— Ele não gosta de brincar. Por isso eu também não brinco.

César achou tudo aquilo muito estranho. Um cão que não gosta de brincar? Como pode ser isso? Levantou-se e encostou-se, tentando olhar para o outro lado mas nada conseguiu ver. Encostou o nariz à cerca e começou a cheirar mas nenhum cheiro veio do outro lado. Coitado do meu cão vizinho, pensou.

— Tu tens um gato aí em casa, verdade?

— Sim. Como sabes?

— Porque o consigo cheirar. Conheço bem o cheiro a gatos, esses malditos fedorentos.

— Não gostas de gatos?

— Não. Nenhum cão gosta de gatos. São os nossos inimigos.

— Porquê?

— Porque é assim. Os cães existem para correrem atrás dos gatos e morderem-lhes sempre que podem.

César não estava a compreender o que o cão do vizinho queria dizer com aquilo. Ele sempre foi o melhor amigo de Júlio e Júlio sempre foi o seu melhor amigo. Desde pequeninos. Tudo o que o cão vizinho lhe dizia era uma novidade e César não sabia o que pensar.

— É verdade, que todos os cães mordem nos gatos?

— Sim, claro. Um cão que não morde em gatos é um covarde. Nem devia ser cão… Esse gato que anda por aí… tu és amigo dele?

— Eehhh… Não. Não… não… nem pensar — mentiu César.

— De certeza? Olha que se os outros cães sabem que és amigo de gatos, iriam rir-se todos de ti… Se calhar até podiam morder-te…

— Morder-me? Não, nunca. Esse gato é um parvo e estou sempre a correr atrás dele porque quero morder-lhe. É o que ele merece.

Naquele instante, César ouviu o carro da dona a chegar a casa. Quando a porta se abriu, Júlio saltou lá de dentro com um grande sorriso. Tinha imensas coisas para contar a César sobre a sua aventura no médico, da injeção que levou - e de que ele não gostou nada - dos amigos que conheceu e muitas mais coisas. Mas aquilo que lhe apetecia mesmo era ir correr para o jardim com César.

— Foi o teu amigo gato que chegou?

— Ele não é meu amigo, já te disse — mentiu César, novamente.

— E vais mordê-lo agora?

— Agora mesmo, vais ver…

César não queria nada morder no seu amigo Júlio mas se não o fizesse, o cão vizinho iria ver que ele era amigo de gatos e contaria a toda a vizinhança. Todos os cães do bairro se iriam rir dele. Ele não tinha outro remédio senão morder no seu amigo Júlio.

Quando Júlio chegou perto de César, este começou a rosnar e mordeu-o com toda a força numa perna, ferindo-o gravemente. Júlio deu um grito de dor, pois não esperava por aquele ataque.

— Sai daqui, seu gato estúpido. Só serves para eu te morder…

Júlio estava muito confuso e não sabia o que se estava a passar com César. Mas quando o cão começou a correr atrás dele, a insultá-lo, Júlio achou melhor fugir para casa, correndo o mais que podia em apenas três patas, pois estava apavorado.

Quando o gato entrou em casa, César deu meia volta e foi a correr para o lugar onde tinha estado a falar com o cão vizinho. Queria ter a certeza de que este tinha visto quão valente César era e que, agora, já podia contar a todos os cães do bairro que ele, César, também mordia em gatos. Mas quando lá chegou, o cão do vizinho já lá não estava. Chamou-o várias vezes, mas este nunca respondeu.

César entristeceu porque o cão vizinho não conseguiu ver o valente que ele era. Mas quando começou a pensar no que havia feito ao seu amigo Júlio, ficou muito mais triste. Tão triste que foi a correr a casa ver se Júlio estava bem, mas o gato já lá não estava. A sua dona tinha-o levado de urgência para o hospital.

César ali ficou, junto ao portão, durante horas à espera que Júlio chegasse mas este não chegou. Nem mesmo quando a lua apareceu. Na verdade, Júlio só voltou no dia seguinte, já bem depois da hora do almoço.

Quando César viu o carro a chegar, ficou cheio de alegria e começou a ladrar que nem um doido, chamando por Júlio. Foi a correr ter com ele. O gato saiu do carro, com a perna cheia de ligaduras e a coxear como nunca antes havia coxeado. E quando viu César a correr em sua direção, pensando que o ia morder outra vez, o gato atacou-o com as suas garras afiadas. Júlio, eu não te quero fazer mal, dizia César, mas Júlio já não queria saber. Estava demasiado zangado com o cão.

Júlio entrou dentro de casa enquanto a dona prendia César na grande corrente que estava ao lado da pequena casota de cão, num canto do jardim.

— Júlio… desculpa! Não fiz por mal. És o meu melhor amigo. Desculpa-me por favor… — gritava-lhe.

Júlio olhou para César e César viu o olhar mais triste que alguma vez tinha visto. Olharam-se durante um momento e, logo, Júlio deixou cair uma lágrima e entrou a coxear para dentro de casa.

A partir daquele dia, Júlio seria apenas um gato e César seria apenas um cão, que viviam na mesma casa.

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